sexta-feira, 31 de julho de 2009

"não quero faca, nem queijo. Quero a fome"


Nos últimos dias, tenho tido um maior contato com o trabalho de Adélia Prado, e aqui, já depois de algumas doses dessa bebida, acho quase impossível não comentar sobre ela. "Bagagem", seu primeiro trabalho, foi lido e elogiado por Drummond que a indicou a Imago e referiu-se a ela como: "um fenômeno poético".

Eram textos impregnados de religiosidade cristã em todas as linhas. Mas a fé que transbordava dos poemas em nada era semelhante à crença torturada e complexa de outro católico e mineiro, o modernista Murilo Mendes. A poesia de Adélia transbordava de uma comovente felicidade simples, surgida do fazer cotidiano.

O cristianismo em Adélia não é um experimento metafísico, mas uma vivência cotidiana, doméstica. Uma poesia de fé no chão. Ela pratica sua crença religiosa à mesa, mas também na cama. Logo em seu primeiro livro, Pedro Paulo, ex-monge beneditino, portanto intelectual por excelência na abordagem da fé cristã, encontrou uma força vital brotada do sexo, semelhante ao êxtase de grandes místicos, como São João da Cruz, que, aliás, como Honoré de Balzac e Chico Buarque de Holanda(L), tinha uma enorme sensibilidade para entender a mulher, como demonstra em seu “Cântico Espiritual”: “Ali me deu o seio / ensinando-me a ciência saborosa / e me dei sem receio / na entrega generosa / e ali mesmo prometi ser sua esposa.”

Essa (con)fusão entre o gozo carnal e o êxtase espiritual se fazia presente no livro da estreante, uma bela mulher na flor dos 40 e em plena vivência do sacramento matrimonial com José de Freitas. Essa característica ainda permeia sua obra, como demonstra em “Neurolingüística”: “Quando ele me disse / ô linda, / pareces uma rainha, / fui a cúmice do ápice, / mas segurei meu desmaio.”

Sua poesia é enganosamente prosaica. O leitor superficial não sentirá falta de sua divisão em versos, sempre muito descritivos e de um ritmo imperceptível e sutil. Da mesma forma, sua prosa é ilusoriamente poética: ela não descreve, no sentido clássico de repetir o fluxo do tempo como se segue a correnteza de um rio, mas reproduz flashes de instantes. Estes compõem uma espécie de colcha de retalhos de uma forma tão heterodoxa que, também no romance, não é fácil pesquisar o DNA literário da Autora.

O crítico apressado encontrará pegadas do estilo da Lispector, mas, de fato ela admira, mas não a imita, ao contrário do que, mentirosa e traiçoeiramente, confessa, numa pequena frase perdida no meio do texto. Até não será exagerado dizer que a autora de Manuscritos de Felipa, de certa forma, seria uma espécie de anti-Clarice. Talvez não seja muito arriscado dizer que Clarice escrevia de dentro para fora. Ela mesma disse que escrevia como se costurasse – só que costura para dentro, e não para fora.

Adélia, ao contrário, escreve como se preparasse permanentemente seu interior para receber a bênção da realidade, seja ela o produto sujo e fétido das entranhas ou o saldo magnífico da observação do belo.

Na fé no chão da literatura de Adélia, o primado do simbólico do cristianismo é substituído pelo primado do real. Ela é submissa à manifestação divina no real e imediato. O que mais deslumbra no que ela escreve é o escândalo da realidade exposto no sacramento.

Pra quem se interessou e quer começar a ler Adélia, eu sugiro a sua primeira obra "Bagagem". Também há o áudio da obra: "O sempre amor", que deixo o link aqui pra quem quiser baixar.

http://www.4shared.com/file/68379773/3ec1f559/Adlia_Prado_-_O_sempre_amor.html?s=1

Eu particularmente, adoro escutá-lo... ficadica :*

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